OLGA SAVARY, A POESIA ENCANTADA
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Por Carlos Franco
Jornalista, poeta, escritora e tradutora, todos esses atributos e alguns mais são pequenos diante da grandeza da hoje encantada Olga Savary.
Amiga de longa data, Olga é mais uma brasileira, paraense de alma carioca, que passou, há um ano, a integrar as frias e assustadoras estatísticas de morte por coronavírus. Vidas perdidas, histórias, amores, saberes e fazeres que se foram em meio ao descaso de um governo incompetente, fardado de ódio e desprezo pelo Brasil, pelos brasileiros e brasileiras. Só que, por sorte, Olga não morre, Olga fica encantada e, nesta condição, continua a nos encantar com seu pioneirismo e a suavidade de seus poemas.
Foi a primeira mulher a escrever poesia erótica no Brasil, a lançar um livro, o Magma, recheado de poemas carnais versando sobre emoções reais que nos unem e nos separam, que são combustível para o amor e o ódio, nunca a indiferença. Poemas do amor demais a que se referia o “poetinha” Vinicius de Moraes que o tornou real, amando loucamente durante sua passagem por essas bandas.
Desafiadora, Olga foi também a primeira mulher a escrever em O Pasquim, não pela condição à época de mulher do Jaguar, pai de seus filhos Pedro e Flávia, mas pelo talento, a ousadia, a sensibilidade com que brincava com as palavras.
Ousada, foi ainda uma das primeiras mulheres, ao lado de Leila Diniz, a participar da criação e organização da emblemática Banda de Ipanema para desafiar a terrível, nefasta e ameaçadora ditadura militar do desprezo à vida, ao Brasil e aos brasileiros nos idos dos anos 1960, marcados pelo golpe militar de 1964.
Tradutora, nos permitiu conhecer e se aproximar dos versos minimalistas de Matsuo Bashô, os “haicais”, os haiku, que por puritanismo linguístico tratamos como haicais. Também foi como fruto de seu empenho que pudemos ler Pablo Neruda, que pudemos mergulhar no imprescindível e volumoso Terra Nostra de Carlos Fuentes, de ter contato com a obra de Mário Vargas Lhosa, de nos encontrarmos no mundo mágico de Gabriel Garcia Marquez e de tantos outros escritores que traduziu com dedicação e empenho para que brasileiros a eles tivessem acesso.
Hoje, encantada, Olga aprendeu em vida a desafiar a morte e a driblar a depressão com a perda do filho Pedro e a renda diminuta com a qual são relegados aqueles que espelham a nossa cultura e que nos tornam mais lúcidos para enfrentar os infernos de nossas vidas, como este no qual, neste momento, estamos mergulhados. Sensível, ela fez, em poema, um pedido a Manuel Bandeira e sua Pasárgada:
A Manuel Bandeira
Quando eu estiver mais triste
mas triste de não ter jeito,
quando atormentados morcegos
— um no cérebro outro no peito —
me apunhalarem de asas
e me cobrirem de cinza,
vem ensaiando de leve
leve linguagem de flores.
Traze-me a cor arroxeada
daquela montanha — lembra?
que cantaste num poema.
Traze-me um pouco de mar
ensaiando-se em acalanto
na líquida ternura
que tanto já me embalou.
Meu velho poeta, canta
um canto que me adormeça
nem que seja de mentira.
Caieiras, 25 de janeiro de 1954
Encantada, Olga soube encantar, soube viver, soube se doar. Anos atrás, me ligou e me pediu acolhida numa de suas idas a São Paulo, onde eu morava. Olga planejou ficar uma semana, ficou duas e alguns dias mais, enchendo de vivacidade, luz e inteligência o meu apartamento. Mas é a elegância discreta, a humildade reluzente, o conhecimento agudo da vida aquilo que dela carrego de legado. E também alguns de seus desenhos, de paixões comuns que compartilhamos, paixões da vida inteira.
Evoé Olga! Olga dos encantos, agora encantada.
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