ARTUR XEXÉO, O ENCANTADOR DE GERAÇÕES
Por Sônia Araripe e Carlos Franco*
“O mundo é mágico: as pessoas não morrem, ficam encantadas (.) a gente morre é para provar que viveu”. As frases do mineiro João Guimarães Rosa (1908-1967) em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras (ABL),em 16 de novembro de 1967, três dias antes de sua partida para o andar de cima, são proféticas. Guimarães encantou e, por isso mesmo, permanece encantado, mantendo-se vivo nos brilhantes diálogos que deixou de legado, no necessário mergulho nas raízes de um Brasil profundo, tão entristecido e dividido recentemente. Falamos de amor e da arte de encantar e para tornar-se sempre encantado é exigido esse ingrediente mágico que é o amor, a aposta no outro e no seu desenvolvimento, na capacidade que tem ou terá de amar e espalhar ao mundo o legado em palavras como as de Guimarães Rosa.
É, portanto, de diálogo, amor e inspiração que estamos aqui falando para nos despedirmos do amigo jornalista e escritor Artur Oscar Moreira Xexéo, 69 anos, que estava se tratando de um linfoma raro, descoberto há apenas duas semanas, e faleceu enquanto fazia quimioterapia. Curiosamente, Artur Xexéo formou-se em Engenharia, mas foi no Jornalismo que marcou presença e fez História com H maiúsculo. Foi profissional multimídia bem antes até deste termo existir: escrevia livros, peças de teatro, participava de programas de rádio, de comentários sobre cinema no Oscar e o que mais lhe aparecesse interessante. Era, acima de tudo, um repórter curioso.
Tivemos o privilégio de conviver com o Xexéo nos anos 90, nos melhores tempos do Jornal do Brasil. Tendo começado em 1978 no JB, ele seguiu carreira nos anos 80 por algumas grandes redações como as revistas Veja e Isto É. Voltou à Avenida Brasil 500 – icônico endereço-sede do JB – já nos anos 90 para editar a área de Cultura – o Caderno B, e as Revistas de Domingo e Programa. Versátil, chegou mesmo a comandar interinamente o Caderno Cidade, numa época em que tudo acontecia no Rio de Janeiro e a Editoria reunia alguns dos mais importantes e experientes jornalistas da área. A convite, mudou-se para O Globo em 2000, levando a sua tradicional Coluna, mas também avançando para a televisão e o rádio.
Se aqui recorremos a títulos de antigos programas de televisão, verdadeiros chavões na linguagem jornalística, é porque Xexéo encontrou neles a essência do ser brasileiro e a propagou para além dos livros “Janete Clair, a usineira dos sonhos”, “O torcedor acidental” e “Hebe: a biografia”, no abrir e fechar as cortinas dos espetáculos teatrais “A Garota do Biquíni Vermelho”, “Nós sempre teremos Paris”, “Minha vida daria um bolero”, “Cartola – o mundo é um moinho”, “A cor púrpura” e em suas crônicas, ácidas de amor publicadas nas páginas do Jornal do Brasil e de O Globo, além dos comentários levados ao ar pelas ondas do rádio e da televisão. Também escreveu roteiros para a televisão como nas séries “Pé na cova” e “O sexo e as negas”.
Sua cultura era vastíssima, sem ter o “verniz” de muitos intelectuais. Gostava de falar de forma simples para que sua mensagem chegasse ao maior número de pessoas. Amava personagens, histórias, causos que aparentemente poderiam passar desapercebidos para a imensa maioria das pessoas. Uma crónica sobre a “fita-banana” – aquela que serve para tudo, do no teatro à escola- virou quase um enredo de novela. Assim era Xexéo. Transformava em notícia o que – aparentemente – não era notícia. O mesmo comentarista e especialista do Oscar era também o crítico do quadro “Dança dos famosos”, no Domingão do Faustão: ali era a prova concreta de que o jornalista sabia estar ao lado de todos os públicos. Assistia filmes variados, “devorava” livros, adorava musicais e tinha um conhecimento incrível sobre títulos icônicos, compartilhando com os leitores o que há de mais vanguarda.
Mais importante que o encantamento do grande público foi o que realizava nos bastidores. No sexto andar do prédio da Avenida Brasil 500, que abrigava o coração de uma verdadeira escola de jornalismo, o Jornal do Brasil. O carioca das grandes tiradas, do mau humor e das frases “amargas” era dono de sonoras gargalhadas diante das reações dos que percebiam que naquela pergunta, aparentemente inocente, construída a partir dos diálogos de novelas e sessões da tarde, escondia o segredo da comunicação com o público, e era maior do que a grandeza da notícia que se tinha em mãos. Nas reuniões de pauta das manhãs, Xexéo se divertia: o seu humor ácido se fazia presente, pois era nesse território do sensível em nós que ele continuava encantando e, assim, continuará, vivo na memória como bússola a guiar novos caminhos. Xexéo não entregou os pontos, não entregaria nunca, pois amava a vida, só fez uma pausa, ciente de que é necessária a presença de um astro para romper a selva de pedra e para percebermos que existe fogo sobre terra e também estrelas no céu e que só amor constrói.
Cada um tem alguma história incrível vivida com ele. Lembramos de algumas passagens, como quando um Diretor Comercial do JB pediu para haver “maior interação” entre o comercial e a redação. Algo tão inimaginável quanto misturar, por exemplo, poesia com literatura de autoajuda comercial. O tal executivo, de terno e gravata explicou sua ideia para um time e tanto de editores jornalísticos, entremeando muitas expressões em inglês. Xexéo, com seu humor ferino, deu o tom da opinião dos colegas jornalistas: “Muito bom vê-lo explicando esta tal sinergia. Enquanto isso estou aprendendo inglês.” Era assim, ácido e necessário.
Além das notícias publicadas, deveríamos também ter acesso aos bastidores. São muitos causos a serem contados, resgatados. Um particularmente merece registro, pois lembra roteiro de novela e ganhou destaque na capa do Jornal do Brasil pelas mãos de Xexéo, porque envolvia aquilo que é o novelo da novela. Tudo começa quando a repórter que vos escreve – especialista na época em Economia, mais especificamente em bolsa de valores e empresas -assume para si a cobertura de um aguardado depoimento da socialite Carmen Therezinha Mayrink Veiga, das mesas requintadas do jet set internacional, coisa de filme, para o austero ambiente de móveis escuros do fórum, por conta da falência da empresa do marido, penhorando o luxuoso apartamento em que viviam e os valiosos bens.
Tendo matéria completa e com muitos depoimentos – os oficiais, de pessoas comuns (como o rapaz do cafezinho e o segurança do Fórum) – Sônia foi a única repórter a conseguiu entrevistar a própria Carmen. Quando chegou ao Jornal, foi logo contando o fato para… Xexéo. Ele não só acompanhou toda a edição, como fez questão de fazer a chamada na primeira página.
Há dois anos, voltando da cobertura de um seminário no Leblon, esta repórter encontrou com Xexéo na calçada. Abraçou-o, deu beijos e contou que tinha reencontrado amigos em comum do JB recentemente. Ficaram ali alguns minutos, “viajando” na memória daqueles bons tempos. Bem ao seu estilo, repórter 24h, quis saber o que a “repórter de Economia” fazia ali naquele lugar e que “raio de evento” era aquele. Expliquei que não era mais da Editoria de Economia, falei sobre Plurale, entreguei um exemplar da revista, que foi carinhosamente guardado na mesma pasta a tiracolo, atravessada como ele sempre usou. Agradeceu, deu outro beijo. E na hora de ir embora, quase de supetão, mandou esta ao melhor estilo Xexéo:
– Não esqueço daquelas coxinhas maravilhosas!
Eram os salgadinhos que eu levava volta e meia para a redação – feitos pelo marido, para alegrar os longos turnos que varavam a madrugada especialmente às sextas-feiras (os “pescoções”). Quase 30 anos depois – apesar do AVC ocorrido em 2016, que o deixou quase um mês incosciente – ele ainda se lembrava daquele astral fantástico. Éramos felizes na redação do JB e sabíamos disso.
Foi desta forma que, sempre generoso, à sua maneira, formou, no bom jornalismo, no necessário jornalismo que estabelece o diálogo com o grande público toda uma geração de jornalistas, hoje enlutados com a sua repentina partida, São herdeiros desse diálogo regido pela arte do encantamento e os responsáveis por manter vivo, através de histórias, o agora ausente Xexéo, trazê-lo para o presente, nesse exercício de amor à comunicação, de mergulho na alma e na vida dos brasileiros e brasileiras.
As cortinas se fecham, mas não esta história. Bravo, bravíssimo, Xexéo não morreu. Ficou encantado.
*Sônia Araripe é editora-chefe de Plurale e Carlos Franco é editor-chefe de Revista Publicittà.