LIVROS NÃO ENVELHECEM: A AIDS SEGUNDO SUSAN SONTAG
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Atualmente à frente da Editora Olympia, Carlos Franco atuou como crítico literário do caderno Ideias, do saudoso e impresso JORNAL DO BRASIL no final dos anos 1990. Neste novo espaço, republicaremos as análises de obras lançadas naquele período e que não envelheceram e, ao contrário, seguem como referências históricas do tempo em que foram escritas.

Inauguramos a seção com a crítica do livro “Assim vivemos agora”, da pensadora norte-americana Susan Sontag, uma das primeiras a abordar o comportamento da sociedade em relação à AIDS na década de 1990.

 

O terror em tempos de aids

Carlos Franco


Novela de Sontag
retrata sociedade
que não consegue
mais ser solidária

Susan Sontag traça panorama sombrio da sociedade dos anos 90 no livro Assim vivemos agora. Como uma cirurgiã, ela disseca a Aids por meio das reações de um núcleo eclético de personagens que passam a conviver com a doença a partir da contaminação de um deles.
O resultado? Uma espécie de quebra-cabeça, onde a uma frase de um personagem se soma outra e assim sucessivamente, revelando ao leitor a epiderme e as entranhas de uma sociedade sem sonhos e ideologia, que desaprendeu a se conjugar no plural. Não que os personagens de Susan sejam frios e solitários, eles até tentam demonstrar solidariedade, carinho e amizade, mas em doses insuficientes para tornar o livro mais suave. Susan quis dar um soco no cotidiano dessa sociedade da qual é parte integrante e ativa na esperança de que saia do singular e acorde para o plural.
Na sua autópsia, ela põe o doente como um goleiro na hora do pênalti. Mesma situação em que se encontram os personagens que o cercam. A única salvação é o jogo em equipe. Todos tentam, mas a fragilidade de suas vidas os impedem de se darem mais, de dialogar. Não existe solidão maior do que a do goleiro diante do pênalti, são segundos que contam como horas intermináveis.
E se a melhor forma de romper o temor e medo da morte e do gol iminente é o ataque, ele não existe. Os personagens de Susan, ao contrário dos de outros escritores, como a Clarice Lispector de Um sopro de vida, são tomados pelo tédio amargo da acomodação. Não reúnem todas as suas forças para vencer a morte, ao contrário, passam a conviver com ela como um fim em si mesma, uma previsibilidade como a que ao final de cada dia surgirá a noite e ao final desta o dia.
E é essa a virtude do livro de Susan, a de usar um espelho como elemento de reflexão, fazendo com que na última página o leitor se pergunte: é assim que vivemos agora? Na indagação reside toda a esperança da autora.
O texto é outonal. Nem por isso, totalmente triste. É obra para ser lida com sofreguidão. O tempo maior será dedicado à reflexão. Outros, como Camus em A peste, analisaram o comportamento da sociedade diante do temor da morte. Mas Susan não quer ir tão longe, arranha a superfície do tecido, fere e injeta o vírus da desesperança. É um soro, positivo para irrigar com mais vida a vida em sociedade.

Publicado em 07/01/1995 Fonte: JORNAL DO BRASIL

 

 

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